(...)
- Lembras-te daquela vez que disse a Ted Koppel que, não tardava nada, alguém me ía limpar o rabo? (...) Bom, parece-me que esse dia está a chegar. Essa chateia-me.
- Porquê?
- Porque é o derradeiro sinal de dependência. Alguém a limpar-nos o rabo. Mas estou a trabalhar nisso. Estou a tentar gostar do processo.
- Gostar do processo?
- Sim. Afinal de contas, posso ser bebé mais uma vez.
- É uma forma única de olhar a questão.
- Bom, tenho que ver a vida de forma única, agora. Vejamos. Não posso ir às compras. Não posso controlar as contas bancárias, não posso levar o lixo lá para fora. Mas posso sentar-me aqui, com os meus dias encolhidos, e olhar para o que acho importante na vida. Tenho tanto o tempo, como o motivo, para fazê-lo.
(...)
- Achas que, como estou a morrer, não me devia preocupar com o que acontece no mundo? (...) Talvez não devesse importar-me. Afinal de contas, não vou estar cá para ver como acabam as coisas. Mas é difícil de explicar, Mitch. Agora que sofro, sinto-me mais próximo das pessoas que sofrem do que me sentia antes. Uma destas noites, na tv, vi gente na Bósnia a correr nas ruas, a apanhar tiros, a morrer, vítimas inocentes...e comecei a chorar. Sinto a sua angústia como se fosse a minha. Não conheço nenhuma destas pessoas. Mas, como dizer isto? Sinto-me quase...atraído para elas.
(...)
Morrie sorriu.
-Mitch, perguntaste sobre o importar-me com pessoas que nem sequer conheço. Mas posso contar-te a coisa que mais tenho aprendido, com esta doença? A coisa mais importante na vida é aprender como dar amor e como deixá-lo entrar.
A sua voz baixou para um sussurro.
- Deixa-o entrar. Nós pensamos que não mercemos amor, pensamos que, se o deixarmos entrar, nos tornamos moles demais. Mas um homem sábio chamado Levine disse bem "O amor é o único acto racional".
Acenei com a cabeça, como um bom aluno, e ele exalou fracamente. Inclinei-me para o abraçar. E aí, embora não pareça nada meu, dei-lhe um beijo na face. Senti as suas mãos enfraquecidas nos meus braços, o seu restolho de suíças escovando-me a cara.
- Então, vens na próxima terça-feira? - sussurrou.
in Às Terças com Morrie, de Mitch Albom
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